175km: uma guerreira brasileira na Austrália

A ultramaratonista brasileira Ana Paula Penteado mora na Austrália e participou, em setembro, da The Great North Walk, ultra mais difícil daquele país, entre Newcastle e Sydney, com percurso de 100 milhas (175km), que devem ser completados em 36 horas. Nesta entrevista, ela conta como foi a preparação e estratégia para a prova este ano – já tinha participado duas vezes sem conseguir concluir dentro do tempo -, a experiência, os principais desafios e dificuldades do percurso e como conseguiu se manter com foco e motivada para concluir a prova em 35h41m -– 19 minutos antes do tempo limite.


“Nossos limites só são impostos por nós mesmos e, com o tempo, podemos ver que o que achamos inicialmente ser o limite, depois do treinamento adequado, pode se transformar em apenas o próximo objetivo a ser alcançado”.


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GO RUNNING – Esta foi a terceira vez que você fez a prova – nas duas vezes anteriores não atingiu o tempo limite, é isso? Qual foi seu tempo nas anteriores e nesta?

ANA PAULA (AP) – Esta corrida é conhecida como a ultramaratona mais difícil da Austrália – são 175km para serem completados em 36 horas, na maior parte em trilhas e o terreno é bem irregular e variado – há montanhas com subidas e descidas íngremes, cruzamento de rios e fazendas, florestas densas, escadas, muitas pedras/rochas, areia e há também estradas de terra e algumas ruas asfaltadas. Ela é chamada de “100 milhas”, mas na verdade são 108.9 milhas (175km), pois assim ela não acaba no meio do mato. O percurso não é marcado e em certas partes é confuso – muita gente se perde.

É uma corrida solo com 6 checkpoints ao longo do percurso, nos quais os corredores têm acesso a comida, bebida e primeiros socorros (tem até um médico de esportes supervisionando). Em cada checkpoint os corredores podem também ter seu próprio suporte – algum amigo ou parente que vai até lá para dar apoio, levar comida, roupas, etc. Se o corredor não tiver nenhuma pessoa para apoiá-lo, ele pode preparar sacolas com o que precisa, numerá-las e as mesmas são entregues em cada checkpoint pelos organizadores – apesar dos checkpoints terem comida e bebida, os corredores não devem arriscar chegar lá e a comida que eles precisam não estar disponível. Outra funcão dos checkpoints é a checagem de tempo – cada um deles tem um tempo limite e na última parte da corrida, ainda há um ponto extra apenas para checagem de tempo. A cada um desses 7 pontos os corredores podem ser eliminados se não saírem deles antes do tempo limite, pois isso indica que eles não conseguirão chegar ao fim da corrida dentro das 36 horas.

Na primeira vez que fiz esta prova, peguei uma trilha errada e perdi quase 2 horas tentando “me achar”. Quando finalmente cheguei ao checkpoint 3, me disseram que eu tinha apenas 15 minutos sair dali ou seria eliminada. Eu estava com fome, meus pés estavam cheios de bolhas, eram quase 11 da noite e eu achei que não tinha energia para pegar a comida e bandagens que precisava, retornar ao percurso (numa parte de floresta densa) e sentar no meio desse mato úmido (numa parte com sanguessugas) e escuro para comer e fazer curativos nos meus pés – então desisti depois de ter corrido uns 80km.

Na minha segunda tentativa, o clima estava extremo – foi um ano em que apenas 31% dos corredores terminaram a corrida (normalmente esse índice fica na casa dos 50%) – durante o dia, a temperatura chegou a 35 graus. Aí começou a chover – e não parou – a temperatura caiu para 15 graus e continuou chovendo a noite toda. Isso drenou as minhas energias – me lembro que um pouco antes do sol nascer no segundo dia eu estava subindo um morro imenso e olhei para uma pedra gigante e pensei, eu poderia dormir nessa pedra agora, mesmo com a chuva. Continuei até 130km – eram quase 9 horas da manhã e, pelos meus cálculos, me convenci de que não conseguiria chegar ao final da corrida antes das 6 da tarde, então resolvi desistir. Eu estava com outros 2 corredores (éramos os últimos). Eles continuaram – e terminaram (apenas alguns minutos antes das 6). Isso mostra o aspecto mental que tanto falam, pois meu cérebro achou que seria impossível quando não era.

Por isso, nesta terceira tentativa eu tinha apenas uma estratégia – não sairia da corrida, a não ser que fosse forçada a sair por não atingir o tempo limite. Só sairia se me tirassem.  Desta vez, desistir não era uma opção.

GO RUNNING – Conte um pouco sobre como foi a sua preparação – como foram divididos os treinos? Quantas vezes por semana? Qual quilometragem semanal? Quais foram os principais desafios na preparação.

AP – Em treinamentos assim não se pode “fingir” que treina – não é só sair troteando por dezenas de quilômetros numa rua plana ou esteira sem carregar nada para poder dizer “hoje corri ‘tantos’ quilômetros”. A quantidade não vale muito e pode até ser um problema. É preciso definir a diferença entre treinar o suficiente e treinar demais – ao mesmo tempo que é preciso treinar bastante, é necessário não treinar demais para evitar lesões ao máximo possível, e o tempo de descanso e recuperação do corpo deve ser respeitado – aliás, mais do que treinar “bastante”, é necessário fazer treinos de qualidade. Esse processo varia muito de pessoa para pessoa – por isso que ultramaratonas são totalmente individuais. Não existe uma “receita”. Eu diria nem mesmo um programa de treinamento, porque ninguém, a não ser você mesmo, pode controlar a maneira que seu corpo progride/reage ao treinamento. É uma viagem de auto-conhecimento – por exemplo, se estamos com dores e/ou não estamos a fim de correr, é preciso tentar ser imparcial e definir se isso é preguiça (e, nesse caso, esquecer e ir correr) ou se é o seu corpo dizendo, “preciso de um descanso”.

Nessa corrida, os corredores devem ser auto-suficientes entre os checkpoints e é necessário carregar uma mochila com equipamentos de segurança (existe uma lista de equipamentos obrigatórios), bebidas e comida para serem consumidos entre checkpoints (o peso total fica em torno de 5kg). Em treinamento, vale muito mais correr 20km em morros íngremes e longos com uma mochila do que correr 50km em ruas planas sem carregar nada – aliás, não se deve perder tempo com ruas planas (e muito menos esteira)! Cada sessão de treinamento deve contar pelo esforço e você deve fazer seu máximo.

Eu gosto da preparação estratégica que esse tipo de corrida requer, mas, ao mesmo tempo, não sou muito estruturada, o que não é necessariamente uma coisa ruim, pois a diversidade nesse tipo de treinamento é fundamental.

Eu procurei progredir até chegar a uns 100km/semana – mas em algumas semanas cheguei a um pouco mais de 150km, enquanto que outras, um pouco menos de 100km. Meu treino era mais ou menos assim (cada ponto um dia diferente):

– Corrida curta (normalmente tiro, mas pode ser também escada, areia, morro – qualquer treinamento bem intenso) por mais ou menos 1 hora;

– Musculação e ioga;

– Corrida longa (como essa é no meio da semana, era por volta de 20km, mas chegando mais perto da corrida, eu procurava fazer em terreno mais e mais difícil – incluindo morros, escadas, etc);

– Musculação e ioga;

– Corrida longa e no percurso da corrida no fim de semana (ou em terreno semelhante/difícil).

Além disso, todos os dias (úteis) eu corro ou caminho para o trabalho, que fica a uma distancia de 3.5km de casa, então são 35km por semana. Às vezes eu ainda fazia uma sessão extra por semana ou substituía uma delas, algo tipo sair no caiaque por 2 horas, ir empurrar meu carro em algum estacionamento deserto ou fazer exercicíos funcionais, de circuito ou pliométricos na areia por 1 hora.

Um desafio é tentar gerenciar o treinamento e como nosso corpo reage – fazer de tudo para ter uma vida saudável, mesmo que, no meu caso, já tenha passado dos 40 anos de idade e tenha alguns problemas, como asma e hipotereiodismo. Mas o treino ajuda em tudo. O maior desafio sem dúvida é implementar essa rotina de treinamento na vida normal. Tendo que ir ao trabalho, e nos finais de semana, limpar a casa, lavar roupa, fazer compras…e quem sabe até tentar ter um pouquinho de vida social, fica complicado! Também foi bem difícil fazer isso no inverno, quando depois do trabalho, tudo que eu queria era chegar em casa, tomar um banho quente, jantar, assistir TV e ir dormir…ao invés disso eu comia alguma coisa rápida e saia na friaca…pelos primeiros 5 minutos eu achava que iria morrer. Mas depois eu me lembrava das razões pelas quais eu estava fazendo isso e treinava com tudo…já que eu estava alí, queria fazer com que cada treino valesse o máximo possivel e corria mais intensamente, fazendo o suor escorrer, mesmo que o ar frio estivesse cortando meu rosto. E é claro, pensava em tudo que eu comeria quando chegasse em casa!

GO RUNNING – E a alimentação – teve acompanhamento de uma nutricionista?

AP – Não – eu só fui ao nutricionista em uma ocasião na minha vida – quando fui diagnosticada como intolerante à lactose. Isso é porque, assim como no treinamento, cada pessoa precisa ver o que funciona para si próprio, levando em consideração gostos pessoais e qualquer tipo de alergia ou intolerância. É necessário entender alguns principios básicos, mas hoje em dia o acesso a informação é tão fácil, basta fazer uma boa pesquisa, verificar as fontes de informações e entender as necessidades do esporte.

Uma das razões pelas quais eu gosto de correr distâncias longas é que isso mudou muito meu relacionamento com a comida. Eu gosto de correr e amo comer. Antes disso, eu me preocupava quando consumia muitas calorias. Agora sei quando meu corpo usou muitas calorias e quando posso simplesmente comer o que eu quiser (o que acontece bem frequentemente com esse tipo de corridas).

Com nutrição, hidratação e performance, se você erra nas duas primeiras, você pode arruinar tudo. Alguns corredores de ultramaratonas que conheço preferem usar “fórmulas” preparadas para atletas, pozinhos para diliur em água, ou gels, shakes…e esses corredores comem pouquíssimas “comidas reais” durante uma prova ou treino. Essas pessoas também são as mais suscetíveis a problemas digestivos e muitas chegam a ter que parar uma corrida por causa de vômitos, diarréias e outros problemas. Ultramaratonas são longas demais para se confiar somente nessas coisas. Eu prefiro fazer o contrário – uso “comida real” e apenas quando acho que preciso de mais energia mas não tenho vontade de comer, que apelo para algumas alternativas.

GO RUNNING – Conte um pouco sobre a prova.

AP – É engraçado que mesmo depois de já ter treinado em tantas partes e participado dessa corrida 2 vezes, eu ainda consegui subestimá-la e achar que não seria tão difícil ou que não levaria tanto tempo.  Treinamento para ultramaratonas é como um quebra-cabeças, se treina em diferentes “partes”, mas só mesmo no dia da corrida que se sabe se tudo vai se encaixar. É sempre incerto o que vai acontecer quando você coloca todas essas partes juntas – como meu corpo vai reagir depois de estar mais de 35 horas acordada,  ter corrido 150km, tomado litros de isotônico e comido carboidratos suficientes para colocar um diabetico em coma? Tentamos simular algumas dessas partes, mas no dia da corrida, com tudo junto, é tudo diferente.

Mas desta vez senti muito o poder da natureza – a distância, a floresta, os animais, o clima, os lugares onde poucas pessoas vão – presenciei isso tudo e a grandiosidade me fez sentir tão pequena. Só estava tentando viver aquele momento, me sentir parte de tudo e conseguir chegar ao final. Fazer parte dessa aventura me fez sentir mais viva, mais feliz de não definir minha vida apenas pelo emprego que tenho, pelos meus relacionamentos, coisas que possuo ou pelo o que aparento. Eu estava ali porque eu passei muito tempo me preparando para isso, eu sai da minha vida normal, do conforto de casa e escolhi estar ali, vivendo na natureza – de uma forma muito pequena, mas mesmo assim senti seu poder, e eu pude ter essa expêriencia. Isso é muito precioso.

GO RUNNING – O que te motivou participar de uma prova como esta?

AP – Desde a primeira vez que ouvi falar de ultramaratonas fiquei abismada de saber que serem humanos podiam correr esse tipo de distância…tudo que pensei desde então é se eu seria capaz de fazer o mesmo. Eu gosto de correr, mas não vejo razão para participar de uma corrida organizada que cobre uma distância que eu poderia fazer sem estar em uma corrida (nunca fiz uma corrida de rua e/ou maratona). Faço corridas por 2 razões: para ter um objetivo claro enquanto treino e para fazer algo que seria muito difícil fazer sozinha, sem o suporte da corrida.

Depois de ter feito algumas corridas de 100km, descobri que meu tempo qualificava para essa prova, que é perto de onde moro, uma área muito bonita que eu queria explorar, então achei que seria um bom objetivo. Mesmo assim vi que precisava de muito treino, pois já sabia como era correr 100km, mas precisava me acostumar com a idéia de chegar até isso e aí ter mais 75km pela frente.

Eu acho que as corridas de 100 milhas são as mais difíceis, pois essas corridas são feitas sem intervalo para dormir e o período médio para completar essa distância exige deprivamento de sono. Qualquer corrida que vá além desta distância permite tempo para os participantes dormirem, o que torna a corrida menos desgastante. Depois de ter tentado completar essa prova duas vezes, me senti mais desafiada ainda – queria saber se isso era algo que eu poderia alcançar ou se tinha atingido meu limite. Cada vez que fiz a corrida e não a terminei, aprendi algo novo sobre eu mesma e isso me incentivou mais ainda a tentar chegar ao final.

GO RUNNING – Como era a altimetria da prova?

AP – Mais de 6200m D+ (a soma de todas as subidas) – em outras palavras, muitos morros/montanhas! Muitas subidas e descidas longas e íngremes e em terreno irregular.

GO RUNNING – O que mudou na sua estratégia de treinamento desta vez em relação as vezes anteriores?

AP – Dessa vez me concentrei na velocidade. Quando se pensa em 175km e 36 horas, um cálculo rápido mostra que basta conseguir cobrir pelo menos 5km/hr para chegar ao fim dentro do tempo limite, o que não parace tão difícil. Mas…não é bem assim. Subidas íngremes, quase verticais, vão diminuir muito a velocidade, assim como certos tipos de terreno. Outra coisa, quando se considera paradas em checkpoints – em alguns há pesagem de corredores (para o acompanhamento médico), checagem de mochila para ver se os corredores estão carregando todo equipamento obrigatório, além de ser preciso comer, beber, reabastecer, ir ao banheiro…dessa vez eu somei todo o tempo que passei em checkpoints e foram 104 minutos (quase 2 horas!) e uma das minhas prioridades era tentar ficar o menor tempo possível em checkpoints. Tem também o tempo gasto durante o percurso para comer, beber (muitas vezes como e bebo enquanto corro) e, é claro, precisamos “ir ao banheiro” (mesmo que não haja banheiro), também parei para consultar mapas ou estourar bolhas nos pés…

Outras situações sempre diminuem a velocidade, se estiver escuro ou chovendo, por exemplo. Resumindo, para terminar essa corrida no tempo limite, é preciso correr e o mais rápido possível, sempre que possível! Por isso, meu treinamento desta vez se concentrou em tiro, treinamentos mais intensos e de velocidade. Evitei correr no escuro (tipo no mato, quando se precisa de lanterna) e com chuva, pois nessas duas situações não corremos em velocidade máxima (e eu não preciso de mais treinamento no escuro e em chuva, já fiz muito – o que precisava agora era “simplesmente” ficar mais rápida). Também fiz mais musculação na parte superior do corpo para carregar a mochila com menos dificuldades e poder treinar menos frequetemente com ela (pois corro mais rápido sem mochila, é claro), e, tendo o corpo mais forte, eu consegui manter a velocidade mesmo quando treinava com mochila.

 GO RUNNING – Qual foi a principal dificuldade durante o percurso?

AP – Eu treinei sozinha na maioria do tempo e na corrida estava tendo dificuldades em me manter perto de outras pessoas – eu tinha amigos que estavam mais ou menos no mesmo ritmo que eu, mas como não era o meu ritmo, eu simplesmente não consegui me manter perto deles (e de ninguém). Eu corro extremamente rápido em descidas, mas mais devagar do que a maioria no plano, por isso era muito difícil me manter perto de alguém. Outra coisa é que em uma corrida assim, você se prepara para os “ups and downs” em termos de energia e humor – em certos pontos você está feliz, otimista e realmente curtindo a corrida (e correndo rápido), mas em outros, você pode cair num “buraco negro” de pessimismo e pensamentos ruins e correr mais devagar (ou pensar em desistir) e eu parecia estar sempre em humores diferentes do que as pessoas perto de mim. Por causa disso, eu estava sozinha na maioria do tempo – e frequentemente achando que se não conseguia me manter perto deles, não conseguiria terminar. Teve um momento que eu simplesmente tive que parar de pensar nisso e me concentrar na minha corrida, nada mais. No final, cruzei a linha de chegada com apenas alguns minutos de diferença de alguns amigos meus (mas isso foi suficiente para me manter longe deles durante a corrida).

GO RUNNING – O que passava na sua cabeça no trecho final da corrida?

AP – “Foco, força e fé. Não pare de correr. Ainda não sei se vou chegar ao final, não sei nem se consigo chegar ao ponto de checagem das 3 da tarde. Foco, força e fé. Não pare de correr. Esse ponto de checagem não chega nunca. Esqueci que essa montanha existia. Aquilo é uma cobra ou outra alucinação? Que bosta, outro morro. Foco… fé. Acabou a força, vou andar um pouco. Onde está a meleca do ponto de checagem?” (Esses pensamentos se repetiam intermitantemente até que cheguei ao último ponto de checagem apenas 9 minutos antes so tempo limite). Mesmo depois do ponto de checagem, ainda não tinha certeza se conseguiria terminar a tempo. Foi apenas quando finalmente coloquei o pé na areia da praia e estava a uns 400m da linha de chegada e alguém me disse que eu tinha 22 minutos para chegar lá, que eu finalmente pude ter certeza que conseguiria terminar a tempo.

GO RUNNING – Como se manter motivada depois do km 100?

AP – Essa corrida combina 2 corridas – uma de 100km e outra de 175km. Ou seja, ao chegar a 100km, os corredores cruzam uma linha de chegada, mas este só é o fim para os que estão fazendo a versão de 100km. Para os que estao correndo 175km, é apenas o checkpoint 4 e ainda faltam 75km para o final (e é claro que, apesar de não tentar pensar em quilômetros qua faltam, é inevitável pensar nisso ali). Outra coisa é que se chega a esse checkpoint normalmente no meio da noite e a próxima parte é provavelmente a que vai levar mais tempo – é uma das mais longas, a navegação é difícil, normalmente é quando o sono bate mais forte e por estar escuro na maior parte do tempo, sempre demora. E desta vez eu fiz esse trecho praticamente sozinha – só encontrei um corredor no caminho, mas não tínhamos o mesmo ritmo, então continuei sozinha.

Mas a estratégia aqui deve ser sempre a mesma – tentar não pensar no que falta, mas apenas no trecho até o próximo checkpoint. Isso é essencial de qualquer maneira – há várias coisas para organizar – o que comer, beber, se algum curativo é necessário, ir ao banheiro (coisa rara nessa corrida, nem todos os checkpoints têm banheiro e se for um que tenha, é preciso pensar… “preciso fazer cocô?” porque ter que fazer no mato não é a melhor coisa, haha), o que levar para o próximo trecho, qual lixo deixar, revisar mapas – e fazer isso no menor tempo possível. Resumindo, é necessário retornar o foco nas pequenas coisas – nas ultramaratonas, assim como na vida, quando temos uma tarefa imensa pela frente, ao invés de ficarmos com medo ou intimidados, devemos dividir essa tarefa em pequenos pedaços e começar a agir.

A tradição do final é beijar esse postinho

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GO RUNNING – E a sensação da chegada e da conquista?

AP – Quando eu estava descendo o último morro no mato para chegar no final (numa praia), eu ouvi a torcida para pessoas terminando a prova. Chorei nesse momento, sem ninguém ver. Quando cheguei na praia e finalmente vi que terminaria a tempo, estava tão feliz que não conseguia parar de sorrir! Ao mesmo tempo, tudo parecia muito irreal – eu já estava tendo alucinações há horas por não ter dormido e tudo parecia apenas um sonho…e continuei com essa sensação por vários dias.

GO RUNNING – Qual será seu próximo desafio?

AP – Quero muito fazer uma corrida na Itália chamada Tor des Geants. Só ainda não sei se estarei preparada até setembro 2016, quando provavelmente será a próxima prova. São 330km, altimetria louca a mais de 24,000mD+ e 150 horas para completar. Esse ano essa corrida foi interrompida por mal tempo, chegou a menos 15 graus e teve nevasca. Mas, enfim, como tudo, acredito que preparação e planejamento são a chave – nossos limites só são impostos por nós mesmos e com o tempo, podemos ver que o que achamos inicialmente ser o limite, depois do treinamento adequado, pode se transformar em apenas o próximo objetivo a ser alcançado.

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