Parece simples… E é…

POR LUCIANE CASANOVA –

Sou do tempo em que ser um corredor era só colocar um tênis no pé e sair correndo pelo mundo. headphones-925886_1280Muitas vezes nem isso, já que muitos corriam descalços. Eu mesma, corri os meus primeiros 2 anos batendo os pés na areia. Talvez esse contato é que me foi importante para sentir esse amor de forma simples, genuína.

A gente se motivava ouvindo os pés tocando o chão, a respiração ofegante, o suor escorrendo pelos cantos do rosto. Pouco importava se corríamos 5k, 10k, 20k. A sensação era a mesma. Não era preciso compartilhar nossos treinos. Não tínhamos adversários ou rivais. Não corríamos em grupo ou participávamos de qualquer assessoria. Era um momento único, solitário, de introspecção.

Não víamos tantos modelos de tênis e nem era necessário um par para treino, outro para dias de provas, outro para dias de chuva, outro para sair bonito na foto. E para que foto? Se nossos treinos e provas eram registrados na memória como se aquele tivesse sido o melhor de todos?

O relógio no pulso marcava no máximo as horas, os minutos, os segundos. A camisa de algodão e com cortes desproporcionais ao corpo de qualquer um, trazia marcar desconhecidas, talvez de um supermercado de bairro.

E quando participávamos de alguma prova, tudo muito pequeno, 300, 600 pessoas no máximo. Nada de chip no tênis, 2 staffs iam anotando na chegada o numeral de peito de cada um que já chegava quase que desfeito e apagado pela má qualidade.

Não tínhamos DJ, nem kits luxo, aliás, o que era mesmo o kit? A água era abundante, os aplausos e gritos eram contínuos. A única exigência era um percurso…sim, era o percurso que nos atraía para a prova. As medalhas de honra ao mérito, quase sempre iguais em todas as corridas, tinham um único significado: mais uma vez corremos com paixão.

Vinte dois anos se passaram, e continuo achando a mesma coisa. Porém, o que se vê hoje vai além de um par de tênis e um coração apaixonado pela corrida.

Talvez a corrida não seja mesmo tão simples como eu a vejo, mas também confesso que resisto até hoje a tantas tecnologias. Claro que para algumas pessoas é bem mais motivador correr com um tênis top, um mp3 com playlist punk, um fone que não falhe, um reloginho que comprove que naquele dia você se superou.

Acho que me perdi no tempo, quem sabe. Não me imagino com monitor cardíaco por exemplo, me ditando o tempo todo que estou abusando de minhas passadas. .Às vezes acho que meu corpo já possui um medidor interno, que me mostra onde fui, e até onde eu posso chegar.

Mas hoje, vejo como cresceu essa coisa de tecnologia. Talvez seja pelo motivo do pessoal estar cada vez mais ligado em performance, diminuição de tempo, quebra de recorde pessoal. Dificilmente alguém corre sem um aplicativo em seu celular e de certa forma, acho até bacana, já que há a possibilidade do corredor monitorar cada minuto e cada quilômetro de seu treino, além de registrar seu tempo, distância percorrida, calorias queimadas e ritmo médio e fazer comparações com treinos anteriores, além de compartilhar o treino individual com outros usuários de redes sociais. Se me dissessem isso lá atrás eu diria: “Galáctico hen!”…

Eu particularmente não faço muita questão desse monitoramento todo não. Acho que chega uma hora que você se torna refém de seus próprios treinos, com uma obrigação de sempre se superar nas informações anteriormente compartilhadas, sei lá, quem sabe um dia, quem sabe…

Fico ainda optando por correr com o coração, independentemente das tecnologias que nos são apresentadas, até porque ainda não foi inventado um aplicativo que nos dê serotonina e para isso, basta mesmo só um tênis nos pés e um mundo pela frente.

#correrbemparacorrersempre

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