1001 dias de busca

POR JOSÉ VIRGÍNIO DE MORAIS – Vamos para mais uma história. Prepare-se, talvez por alguns momentos (linhas/trilhas) o óbvio não faça tanto sentido, mas tenho certeza que, assim como existem as trilhas sinuosas ou em grandes depressões, elas sempre acabam nos levando para mais perto das certas e as trilhas/ história a seguir não serão diferentes.

Trilhas certas são aquelas que acreditamos, aquelas que nos fazem caminhar para frente (claro que correr também pode), afinal às vezes elas sempre aparecem ao longe (pelo menos comigo. Com você é assim também?). Nem sempre elas são possíveis de serem vistas e muitas vezes me obriguei a regressar e retornar na busca de uma nova trilha. Sempre quis chegar, mesmo que demorasse alguns dias.

Pensa em um cara determinado nos treinos. Já por alguns anos eles são, na maioria das vezes, realizados sozinho e em lugares onde crio os meus próprios desafios, minhas montanhas, afinal quem não as tem?

Os dias serão sempre iguais se você não for capaz de criar e recriar um novo desafio para conquistar no ‘hoje’, no ‘agora’. Mesmo que o passado nos dê glórias ou lamentações para nos lembrar e o futuro nos garanta uma melhor perspectiva de concretizar sonhos, o que vale mesmo é o presente, o agora, que é capaz de alimentar a alma em tempo real, sonhar e tocar, comer o fruto do prazer, mesmo que seja com os olhos.

Esteja tão focado construindo seu próprio futuro, que não terá tempo para ouvir as críticas das pessoas negativas.

Os treinos, sejam eles de velocidade ou resistência, na academia com repetições para membros inferiores ou superiores, quilômetros girados de bike ou milhas percorridas a pé, eu senti todos na selva que criei, ou melhor, no mundo que escolhi e queria passar por lá dentro dos mais diversos climas. Em todos eu tirei e testei o proveito de estar dentro de cada um deles.

Nos dias com sol a pino desidratei e queimei para ver e sentir até onde eu conseguiria chegar, os dias de chuva o som caindo com os banhos de lama ou águas das ruas eram a sintonia perfeita (nosso Senna era o melhor para estes dias). Os dias frios eram os que mais solicitavam um tempo maior de pensamentos para iniciar os treinos, mas logo as recordações dos dias quentes vinham à tona e o treino iniciava.

A vantagem de ser um entendedor de treinamento (corrida) é justamente saber que não há a possibilidade de ocorrer uma sabotagem nos treinos. Sempre prego que “sou o que sou por acreditar ser naquilo que construo todos os dias”.

Partindo desta introdução, eu acredito como atleta que sempre deve haver disciplina, foco, continuidade, entendimento das exigências físicas aplicadas nos treinos, entendimento do que é plano, subida ou descida, força pura ou de resistência muscular localizada (aquela buscada em academias/ studio).

Devemos entender os nutrientes para o treino A ou B, hidratar-nos na quantidade e qualidade certa, entender e saber distinguir entre o que é preguiça ou cansaço, frio e calor, o que é dor muscular oriunda dos exercícios executados ou dor de uma lesão.

Precisamos entender que nem sempre estaremos dispostos para o treino e entender que, mesmo que a atmosfera não esteja conspirando a favor, se fizermos uma matemática bem rápida veremos que tudo é uma questão de números. Atleta treinado é atleta que terá performance.

Você não estará sempre motivado. Por isso aprenda a ser disciplinado.

Pegue o tamanho do seus objetivos que geralmente tratamos ou cultivamos ao longo da vida como sonhos, some-os com as inúmeras pessoas que você pode ser capaz de inspirar, mais os  amigos e familiares que estão nesta loucura toda, no seu dia-dia, mais o tempo que você se dedica por semana para que tudo dê certo. Tudo isso somado e dividido nas devidas proporções, multiplicados em segundos, minutos ou dias é igual a: sucesso.

Não procure desculpas, treine sem desculpas.

Em 2016, quando pude retornar à cidade de Chamonix, na França, para repetir a experiência de 2014 em correr o OCC, uma prova que completa o programa do UTMB, passei por toda esta introdução que você leu acima. E, lógico, com a máxima de: sou o que sou por acreditar ser naquilo que construo por todos os dias”.

Já nos primeiros quilômetros da prova, tive a percepção que o dia seria de testar, não somente a máquina músculo, mas o cérebro em todo seu acervo em solicitar o melhor da minha performance. Mas não foi e nem seria este momento que me faria parar de tentar buscar o que construi (treinei) ao longo do processo, afinal, o leque de dados para reinventar-me era grande e, ao longo dos mais de 56 km de prova, passando por estradas, trilhas simples e técnicas, grandes rochas e bosques bem rolados, eu acreditei por cada quilometro que eu iria sincronizar corpo e mente. Foi quando passei o último ponto de apoio e entrei nos 8 km finais.

Pensei comigo que não teria mais nada a fazer, a não ser correr como não se houvesse amanhã. Como eu já havia passado por lá em 2014, achei que seria uma boa tomada de decisão e fui sem medo e com toda a energia que ficou ali pronta para explodir até este ponto da prova. Em uma trilha para cá ou para lá e um cruzamento na estrada, o atleta aqui se orientou por um caminho errado e foi parar um pouco mais longe da rota certa.

Recordo-me como se fosse hoje que, do lugar que estava (perdido) era possível ver ao longe a montanha do Aiguille du Midi com seus 3.842 metros de altitude na mesma reta transversal da Igreja de Saint-Michel (construída em 1.709), ponto de chegada da prova. Nesse momento pensei que era melhor só chegar.

Ao passar a linha de chegada, tive o sentimento que poderia ter feito mais para terminar mais rápido, pois segui os devidos protocolos de treinamento, segui o que a fisiologia prega e, mesmo assim, não consegui a famosa “alegria nas pernas”. Passando este momento, demorei um pouco para aceitar se era derrota ou conquista ter ao menos chegado.

Passei então a pensar que não eram somente os fatores internos, como as adaptações aos treinamentos e, como não consegui encontrar uma explicação que me confortasse, e um explicação plausível ao tamanho da minha dedicação, passei a acreditar que precisava tentar mais uma vez. Sim, vou fazer isso melhor ainda, vou começar tudo de novo, treinar mais com a mesma qualidade, talvez mais focado, pois era uma questão de provar para mim mesmo que sim, sou capaz de sentir e colocar em prática a alegria nas pernas.

Quando retiramos o kit da, recebemos uma pulseira de identificação correspondente à prova que iríamos fazer (OCC – 56 km). No meu caso era uma pulseira de cor laranja, com as iniciais do OCC e prometi a mim mesmo que só iria retirá-la quando eu encontrasse a alegria nas pernas, passando por pré-requisitos que julgasse necessários.

Demorou um tempo para sincronizar tudo, pois ora era uma lesão do joelho direito, depois do esquerdo, o clima, as crianças na escola que estavam dando trabalho, a mulher que queria shopping enquanto eu queria parque, a flexibilidade do rabo da lagartixa, enfim. Em alguns momentos eu até tinha os tais pré-requisitos, mas não havia a emoção perfeita, assim essa missão durou 1001 dias até os 50 km da INDOMIT Pedra do Baú, em 30 de março de 2019. Os treinos, os amigos, o empenho, os sonhos foram o resultado e a construção de tudo isso.

Início – 24/08/2016 até 23/05/2019.

Não venci a prova e nem consegui a vaga direta para o mundial, mas minhas pernas se portaram tão alegres que fui capaz de exalar esta energia assim que passei a linha de chegada. Depois de alguns dias, pensei comigo: será consigo fazer isso de novo?

Sim, vamos continuar buscando novos desafios.

“As vezes Deus nos leva ao nosso limite. E sabe por quê?
É porque Ele tem mais confiança em nós do nós mesmo. Que tal acreditar mais em nós mesmos?

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