Desafio de Titãs

POR JOSÉ VIRGÍNIO DE MORAIS – Tudo começou com a ideia de correr 50 km da forma mais eficiente possível e da forma mais rápida também. Mas, como velocidade não é nada sem controle, lá fomos nós treinar, pois é disso que as pernas gostam para se sentirem felizes.

Viajem na minha história e vejam se tenho razão na linha de pensamento. Vou chamá-los de “espartanos”, para que possamos nos sentir na mesma missão.

Em 2018, quando estive no Trail World Championships – 80 km- na Espanha, vivi uma emoção de rara felicidade dentro da modalidade que faz meu coração bater com mais força há alguns anos. Por um lamentável contratempo, o amigo e atual técnico da seleção brasileira de Trail Running, Guilherme De Agostini, não pôde ir e fui convocado em seu lugar.

Passada a experiência de lá estar, me recordo que ao final do evento, junto com todos da delegação brasileira de trail reunidos para as devidas congratulações, na minha fala final eu disse: vamos continuar explorando e buscando, ano que vem (2019) o mundial será de 50 km e serei um dos atletas que buscará uma das vagas. E assim foi.

Depois do mundial, minha rota passava por estar no OCC – 56 km em Chamonix, pois as pretensões já eram de estar entre os melhores para que meu nível também se elevasse. Durante esse caminho, porém, também se iniciava um dos meus desafios de titã: uma lesão de joelho esquerdo que me fez abortar a ida para o OCC. Apaixonado que sou pelo esporte, iniciei ali uma escalada do poço em que me encontrava.

Durante o tratamento da lesão, quando eu e minha equipe gastávamos energia para sanar a dores no joelho, eis que se descobre um possível desequilíbrio na “maquininha” que bate do lado esquerdo do peito. O meu coração estava batendo mais do que deveria, em uma intensidade que não poderia. Era mais um desafio de titã.

Com tantas missões, batalhas, tomadas e retomadas, o foco de disputar as provas da seletiva brasileira de trail em 2018, na busca de um das duas primeiras vagas para o mundial de 2019 em Portugal, já começava a ficar distante. Passei então a ter uma nova meta: correr os 50 km da FACATT Trail Run, em julho, na cidade gaúcha de Taquara. Estive lá, mas não pude correr devido à lesão, abortei o OCC devido ao coração e, para correr a Brasil Ride 70 km, não havia alegria o suficiente para tantos quilômetros. Apesar de tudo isso eu segui com o treinamento.

No final do ano de 2018, pude conversar com amigo e parceiro Jovadir “Juninho” Acedo (vulgo Paquito do trail) e relatei que estava treinando para buscar uma vaga. Na oportunidade ele me disse: “sua vantagem é não beber (alcóolicos) e as festas de fim de ano estão logo aí (faltavam duas semanas). Foque no que você quer e no que você precisa”.

Seguindo os treinos, horas na USP, dias no Ibirapuera, quilômetros no Pico do Jaraguá e Morro do Sabó, era mesmo no Parque Anhanguera onde eu mais me achava e me perdia também. Por lá foram as corridas mais longas e mais lentas, trilhas que me faziam suar, pensar, explorar e explodir quando descia. Mas também era lá que, quando o joelho reclamava de vez em quando, o suor se misturava com o sal das lágrimas, pois não havia mais tempo para ficar parado.

Sim, até eu mesmo cheguei a duvidar se minhas pernas poderiam passar nas trilhas com a mesma alegria de antes. Mesmo assim eu nunca deixei de acreditar e meu parceiro (Sidney Miranda), com quem pude dividir alguns treinos, também não.

Eu estava bem ciente de onde eu gostaria de estar (o mundial), mas havia muitos corredores que estavam na mesma busca e eu sabia que precisava querer mais que todos para lá estar. Depois de muito tempo parado eu tinha que sintonizar mente e corpo para esse objetivo. E me restava uma última carta na manga: a INDOMIT Pedra do Baú, em março de 2019, prova que automaticamente classificaria os dois primeiros colocados para o Trail World Championships.

No final do ano (2018) pude correr a Volta do Baú, prova de 23 km na região da INDOMIT, voltei para passar o carnaval com os amigos e família JVM em São Bento do Sapucaí, medi cada trilha que passaria na prova durante os 50 km e por mais um final de semana pude estar na cidade para treinar com os nativos Célio Augusto, Rodney, Aluisio Nunes e Edmar Caetano. Vivi aquela atmosfera o suficiente para fazer o melhor na prova.

Mas ainda faltava mais um desafio de titã a ser vencido. Na semana das provas minha esposa, Ingrid, sempre diz que fico de TPP (Tensão Pré-Prova), mas eu tinha consciência que precisava no mínimo saber lidar com este momento de uma forma que transformasse tudo isso em energia vital para a prova.

Talvez ter sido convidado horas antes para ser um dos palestrantes do simpósio que a organização ofereceu aos corredores na véspera, me fez relatar por som ou no olhar o momento em que eu mesmo me encontrava e, consequentemente, mostrar o caminho que eles poderiam seguir para aquele desafio e os próximos. Assim foi e ali me encontrei em sintonia entre corpo e mente.

Olhos abertos no dia da prova, eu sabia que precisava escovar os dentes, me trocar, tomar um café como todos os dias de treinos mais longos, andar os 150 metros que separavam a pousada da largada, me posicionar ao lado dos também espartanos, cumprimentar todos que gritavam o meu nome ou faziam um simples aceno. Confesso que minha mente olhava, mas não vi, meus ouvidos ouviam, mas não processavam, sei que transpirava, mas não era do calor, pude contar o 3,2,1 e parti com a minha máxima: “que não falte alegria nas pernas. Eu sei que irá doer e que não me falte garra para continuar buscando. Mostre-nos, Senhor, as trilhas mais seguras para que possamos passar com segurança”.

Eu não deixei de acreditar em nenhum momento, mesmo quando no quilômetro 10 eu já não tinha o visual dos primeiros colocados. Também não deixei de fazer força quando o desafio era chegar rápido ao trecho do Bauzinho ou quando passei o km 47 e logo entraria na reta final. Aí sim acreditei que tudo valeu muito, tudo que passei e por todos que viveram tudo isso comigo.

Passei a faixa de chegada com todos os amigos ali me esperando, com alegria nas pernas, muita alegria no rosto e queria muito a vaga para o mundial, que por sinal foi com honra e mérito para Rogério Silvestrin e Ernani Souza. Fui o 6º geral, não fui convocado diretamente, mas estou na lista de reservas. Não estive no pódio geral, mas minha categoria foi digna de uma geral, com José Mirailton e Cléverson Luiz del Secci (Fantasma) ao meu lado nos degraus do pódio.

Sim, no Desafio de Titãs eu fui o melhor.

Em 480 A.C., Leônidas, rei da cidade grega de Esparta, em sua guerra pela continuação da independência, precisou falar a seu povo que eles jamais se curvariam aos tiranos, como Xerxes. Ao se preparar para partir rumo aos diversos embates e guerra contra os guerreiros tiranos da época, Leônidas sem a necessidade de convocação, solicitação ou ordem, no momento de sua partida se deparou com um exército de 300 espartanos prontos para defenderem seus valores e suas honras. Sabem por quê? Porque ali era ESPARTAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

Não sou Leônidas, mas sou Virginio, que ama muito o que faz, que ama muito o que leva para o coração de alguém, que irá lutar e acreditar que sim, somos todos iguaispor isso também somos todos campeões, porque somos o que acreditamos ser. Sem solicitação, convocação, carta, intimação ou mandatos, siga quem te inspira, quem te coloca no prumo e quem te faz acreditar, quem te faz simplesmente continuar.

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