Faltam seis quilômetros…

POR JOSÉ VIRGÍNIO DE MORAIS – Vamos para mais uma corrida pelas linhas repletas de ponto e virgulas, virgulas, reticências, mas não ponto final, ao menos para essa história. Mas, que teve muitas curvas e sobe e desce, isso teve.

Um desafio pode ser algo que esteja bem perto de você, pode ser algo que pode também estar bem longe ou algo que ainda não se sabe a que tempo e distância está, mas que nunca seja algo intocável, algo que nem os sonhos mais fictícios lhe possam condescender, mesmo que seja por alguns segundos.

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Na verdade, sabemos para onde nossas pernas são capazes de nos levar, o longe é uma palavra que cabe tantas interpretações e para uma delas eu sempre uso uma frase de mãe, que sempre dizia quando eu perguntava quando estávamos indo para algum lugar, que hoje replico aos meus filho: “pai, está chegando”? Sempre respondo que sim, pois já estamos mais perto do que há minutos. Minha mãe, claro, para tentar encerar o assunto dizia que falta muito ou estava quase chegando.

Nossa mente, esta sim pode correr na velocidade da luz, percorrer quilômetros e quilômetros em qualquer que seja o continente, levantar o peso mais pesado do mundo, mas o que ela talvez ainda não seja capaz é justamente enganar-me sobre o tipo de terreno que estou pisando. Em alguns momentos eu até deixo-a me iludir para que eu possa saber o que o novo está prestes a me oferecer. Ainda bem que eu a controlo, pois sonhos são tão bons, mesmo que sejam ficção.

Creio que o sonho seja o primeiro elo com a possível realidade, um momento virtual, que pode acabar no primeiro bate papo do dia ou ser construído ao longo de vários dias. Os meus sonhos, os que busco tornar realidade são assim:

Quando estava na 1ª série do Ensino Fundamental (1986) eu queria ouvir o Hino Nacional enquanto recebia a premiação do campeonato inter-classes de futsal, o que só seria possível se o time da minha classe fosse campeão. Feito.

Na 4ª série do Ensino Fundamental (1989) eu queria ser o melhor da classe em notas, do início ao fim do ano. Uma amiguinha (Patrícia) foi a melhor, mas como eu era fã dela tudo bem. Feito.

Em 1992, tive a oportunidade de conhecer o centro de treinamento esportivo do bairro de Pirituba, Zona Oeste de São Paulo, para marcar um teste de boxe, e voltei para casa todo animado. Mas, meu amigo acabou prendendo meu dedo no carro e não consegui fazer o teste. O que importa é que tentei. Feito.

Em 1995, coloquei na cabeça que iria até a cidade de Porto Alegre (RS) ver o meu Corinthians ser campeão da Copa do Brasil. Feito.

Ao iniciar nas corridas de pista (1999), logo vi que o que o objetivo seria algo surreal para o momento: correr 5.000m em um tempo de 15 minutos,  tendo  que passar 72 segundos gravados em cada volta na pista de 400 metros e manter isso por 12 votas e meia. Na época, o meu melhor tempo era de 16min24. Demorei seis anos para atingir este feito, mas consegui. Feito.

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Em 2003, eu queria chegar longe e rápido, então escolhi a desafiadora maratona, pela distância e pela história do mensageiro que fez e refez em poucos dias o que eu queria fazer em poucas horas. Em 1996, os 42,195 quilômetros foram cumpridos em 4h24min48 na Maratona de Ribeirão Pires, mas eu sabia que teria que sonhar, trazer o sonho para o mundo real e buscar em cada treino físico e mental o recorde pessoal. Na 17ª Maratona de Blumenau corri em 2h22min10. Feito.

Quando resolvi debutar em uma Ultra de 80 km a menos duas semanas da prova, (XTerra Ilhabela 2011), a mente queria, mas também sabia do tamanho da responsabilidade que estava passando para as pernas. Quando me preparo para uma missão, busco sincronizar corpo e mente para, o que ocorreu em cada treino, mas acabei não terminando a prova. No início, a mente logo disse: “eu te falei que era melhor ter ficado nos 50 km, mas você é teimoso”. As pernas, que sempre representam um bloco de infantaria, foram resistindo bravamente por quilômetros e quilômetros, mas no km 60 não havia sonhos ou bravuras para me fazer seguir. Tentei. Feito.

Quando se busca algo, seja perto, longe, no alto ou embaixo, sonho ou realidade, nunca podemos deixar de colocar os pés no chão, olhar para frente e para os lados, estender as mãos e dizer: “vamos juntos”.

Em toda grande missão devemos ter grandes pessoas que sejam capazes de nos dizer sim ou não, continue ou pare. Somos capazes de sentir e vibrar em um único momento com olhares de baixo ou de cima do pódio. Nosso sentir interno é repleto de ossos, músculos, tendões, artérias, veias, sangue e muitos outros convidados que habitam o nosso corpo. Mas, para poder contar, inspirar ou orientar um caminho, isso só teremos o dom de repassar quando ao menos tentarmos, ousarmos e buscarmos o novo, semeando de dentro para fora.

Seja paciente, você não come a fruta no mesmo dia em que planta as sementes

Em minha última missão do ciclo de treinamento, que teve início em novembro de 2018, a MIZUNO Uphill Marathon, na Serra do Rio do Rastro (SC), foi um desafio que ainda não terminou. A missão foi participar do Desafio do Samurai, que consiste em correr 42 km pela manhã (7h) e mais 25 km às 16h do mesmo dia. O que eu tinha que fazer pela manhã foi feito e conclui os 42 km em 3h30min54, chegando na 21ª colocação depois de muito frio e chuva.

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Porém, quando iniciei os 25 km, logo percebi que seria uma missão de entrega total, não pela distância, mas pela forma que estava depois de ter que lidar com o clima adverso da manhã.

Passavam-se os quilômetros e eu contava cada um deles como se fosse uma operação matemática com as unidades (aquelas que vem antes das dezenas e das centenas).  Depois de não conseguir encontrar sentido em continuar, depois de tentar iludir a mente para continuar, mesmo depois de tentar conectar, ou melhor, reconectar a mente com as pernas para tentar um pouco mais, só mais um pouco, o km 19 foi o limite.

Não era uma questão de estar no pódio, conquistar uma medalha ou liderança, mas de não entregar a missão com êxito. Era tentar transmitir para um par de pernas cansadas a mensagem de seguir em frente, pedir para os ventos soprarem na mesma direção quando o que mais havia era o senhor frio, era pedir para a massa cinzenta buscar uma forma de voltar à prova. Mesmo depois de recordar de tudo que fora treinado, buscado e sonhado para ali estar, uma voz me disse: “mesmo quando tudo começa a dar errado, não subestime a sua capacidade de seguir em frente, tente mais uma vez, mas não será hoje.”

Voltei para casa tão rápido, talvez por estar em outra dimensão buscando uma melhor resposta, pois sentia que havia fracassado, mas tratei de resolver logo isso.

Primeiro passo para não fracassar: nunca duvide de si mesmo.

Na verdade, não faltou nada, pois as ferramentas para esta missão foram todas utilizadas, mas agora vamos em frente para uma outra história.

Dica: quando uma pessoa não conseguir terminar uma prova, seja ela de que tamanho for, tente ajudá-la a encontrar uma resposta o mais rápido possível, pois ter que responder perguntas a si próprio deixará os passos seguintes mais lentos.

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